quarta-feira, 26 de junho de 2013

E eu com isso?

Foto de Marcelo Casal Jr., da EBC Tenho ouvido jornalistas surpresos com 'o quanto os deputados estão trabalhando'. Puro desconhecimento do que acontece, normalmente, na Câmara. A maioria dos deputados e deputadas trabalha muito. Nem todos mas, sem dúvida, a maioria. Por que, então, parece que não trabalham, ou que as coisas 'não melhoram para o povo'? Esquece-se de um componente básico do Congresso e de toda a sociedade: a ideologia. Uma parte menor dos parlamentares estão efetivamente preocupados e ideologicamente comprometidos com a redução da desigualdade social, a distribuição de renda, a inclusão social; com serviços públicos de qualidade, democratização dos meios de comunicação e do acesso à terra; combate à corrupção, punição de políticos, empresários, cidadãos comuns que sejam corruptos; combate à exploração sexual infantil, erradicação do trabalho infantil e do trabalho escravo; reforma política que melhore a representatividade no Congresso Nacional, limite para os gastos nas campanhas eleitorais, financiamento público de campanha ou financiamento cidadão das campanhas eleitorais, voto aberto no Congresso, reforma tributária que não penalize os mais pobre e tribute, de fato, os mais ricos (que proporcionalmente pagam menos impostos do que os assalariados); combate à sonegação de impostos; redução da jornada de trabalho; proteção daquela população com representação política e econômica minoritárias... e por aí adiante. Há os deputados que trabalham muito por seus interesses próprios, há os que trabalham muito pelos segmentos sociais que representam, há os que trabalham muito pela implantação de políticas públicas eficientes e pela construção de uma sociedade menos injusta e menos desigual. Cinquenta mil proprietários rurais tem área superior a mil hectares. Apenas 1% dos proprietários tem 46% das terras agricultáveis brasileiras. Mas levantamento do DIAP mostra que 30% da Câmara dos Deputados é formada por ruralistas – deputados latifundiários, agroempresários, que pautam seu trabalho na defesa das grandes propriedades rurais, procurando reserva-lhes orçamento público e perdões repetidos de dívidas. Não para a produção de alimentos, mas de commodities. Os alimentos da cesta básica são produzidos majoritariamente (70%) nas propriedades da agricultura familiar. A defesa da bancada ruralista – por cooptação ou mera desinformação – cresce substancialmente em matérias polêmicas, como na votação do Código Florestal, por exemplo. Para se ter uma ideia da discrepância de representação e importância na produção de alimentos, o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou 4.367.902 estabelecimentos de agricultura familiar, que representam 84,4% do total das propriedades rurais, mas ocupam apenas 24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. As outras 15% das propriedades rurais ocupam 75% das terras! Em ¼ da área, a agricultura familiar responde por 38% da produção. O Plano Safra da Agricultura Familiar deste ano foi anunciado com R$ 39 bilhões, o da grande propriedade, com R$ 136 bilhões. Diferença de 3 vezes e meia. Os que se colocam a serviço dos empresários de comunicação – ou eles próprios detentores de canais de rádio e TV e de jornais – ocupam 11% das vagas do Congresso; 31% das vagas são ocupadas por empresários; 13% pela bancada evangélica. Parte dos deputados identifica-se com mais de uma bancada durante o exercício do mandato parlamentar, em articulações permanentes ou pontuais, somando os grupos para aprovarem conjuntamente temas de interesse de um ou de outro. Na democracia, nós escolhemos de forma direta os que nos representam. Ir às ruas mostrar descontentamento e apontar caminhos é uma ação legítima, e mostrou resultados com a aprovação dos projetos de apelo popular, nesta terça e quarta-feiras. Fazer a escolha ideológica (apontar o caminho) pelo voto na urna é ainda mais determinante. Está claro que é preciso conhecer melhor os candidatos antes de votar neles, inquestionavelmente preferível que seja sem recebimento de “favor”. Mas se você não conhece o histórico do senador, deputado ou vereador que escolheu para representá-lo pode ter certeza que ele estará trabalhando muito, como trabalha a maioria, mas pode estar trabalhando muito contra o que você considera adequado para tornar o país menos injusto, menos desigual, mais inclusivo e mais democrático. Ele pode estar trabalhando muito pelos interesses próprios e nada pelos interesses públicos e coletivos. A maioria deles trabalha muito. A questão é que a maioria pode estar trabalhando muito contra você e uma minoria trabalhando muito a favor dos mesmos ideais que os seus.

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