sábado, 23 de fevereiro de 2008

A Carta de Fidel

Lúcido, resultado do seu profundo conhecimento, o artigo do frei Betto sobre a renúncia de Fidel e Cuba que acabei de pegar da Caros Amigos.
Me chamaram especial atenção duas afirmações: Aliás, nenhum dos que se evadiram do país prosseguiu na defesa dos direitos humanos ao inserir-se no mundo encantado do consumismo...
O consumismo, ou a falta dele, em Cuba, é argumento corrente daqueles que criticam o regime cubano, principalmente logo depois de uma visita ao shopping onde torraram algumas centenas de reais e onde a entrada da grande maioria dos brasileiros é vetada por que não tem nem dinheiro para gastar lá nem mesmo para pegar o ônibus até ele. Grande parte das vezes, torraram em pão e leite no café da manhã toda sua "fortuna". É provável que para estes, que não tem nem café da manhã, nem educação e saúde de qualidade, Cuba seria o paraíso. Já para aqueles que estão no degrau da classe média acima, e podem comprar suas futilidades no shopping e na feira, sua educação nas escolas privadas caras e a saúde em clínicas e hospitais de renome, Cuba é mesmo impensável...
Outro trecho explica a "ilha": "Os cubanos sabem que as dificuldades são enormes, pois vivem numa quádrupla ilha: geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética; bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA."
Joga-se pedras contra Fidel, mas esquece-se do algoz EUA, defensor incondicional da democracia, nem que tenha que massacrar todo um povo, que tripudia sobre sua ilha "particular" de férias desde a revolução e só não fez pior por conta da ousadia, então, de Raul Castro, que os obrigou a recuar depois da aproximação de Cuba com a URSS, durante a guerra fria.
Os ideais são uma meta que não pode ser afastada. O caminho a percorrer até lá é a realidade, dura e crua...
Bem, o artigo de Frei Betto é muito melhor do que o que eu escrevo.

A carta de Fidel

por Frei Betto

Fidel Castro, 81, "renunciou" às suas funções de presidente do Conselho de Estado de Cuba e Comandante-em-Chefe da Revolução. Entregue aos cuidados de sua saúde, prefere manter-se fora das atividades de governo e participar do debate político – que sempre o encantou – através de seus artigos na mídia. Permanece, porém, como membro do Birô Político do Partido Comunista de Cuba.

No domingo, 24, Raúl Castro, 77, será eleito, pelos novos deputados da Assembléia Nacional, para ocupar as funções de primeiro mandatário de Cuba.

Esta é a segunda vez que Fidel "renuncia" ao poder. A primeira ocorreu em julho de 1959, sete meses após a vitória da Revolução. Eleito primeiro-ministro, entrou em choque com o presidente Manuel Urrutia, que considerou radical as leis revolucionárias, como a reforma agrária, promulgadas pelo conselho de ministros. Para evitar um golpe de Estado, o líder cubano preferiu renunciar. O povo saiu às ruas em seu apoio. Pressionado pelas manifestações, Urrutia não teve alternativa senão deixar o poder. A presidência foi ocupada por Osvaldo Dorticós e Fidel voltou à função de primeiro-ministro.

Estive em Cuba, em janeiro deste ano, para participar do Encontro Internacional sobre o Equilíbrio do Mundo, à luz do 155º aniversário de nascimento de José Martí, figura paradigmática do país. Retornei em meados de fevereiro para outro evento internacional, o Congresso Universidade 2008, do qual participaram vários reitores de universidades brasileiras.

Nas duas ocasiões encontrei-me com Raúl Castro e outros ministros cubanos. Reuni-me também com a direção da FEU (Federação Estudantil Universitária); estudantes da Universidade de Ciências Informáticas; professores de nível básico e médio; e educadores populares.

Ilude-se quem imagina significar a saída de Fidel o começo do fim do socialismo em Cuba. Não há nenhum sintoma de que setores significativos da sociedade cubana aspirem à volta ao capitalismo. Nem os bispos da Igreja Católica. Exceção a uns poucos que, em nome dos direitos humanos, não se importariam que o futuro de Cuba fosse equivalente ao presente de Honduras, Guatemala ou Nicarágua. Aliás, nenhum dos que se evadiram do país prosseguiu na defesa dos direitos humanos ao inserir-se no mundo encantado do consumismo...

Cuba não é avessa a mudanças. O próprio Raúl Castro desencadeou um processo interno de críticas à Revolução, através das organizações de massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões ora analisadas pelo governo. Os cubanos sabem que as dificuldades são enormes, pois vivem numa quádrupla ilha: geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética; bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA.

Malgrado tudo isso, o país mereceu elogios do papa João Paulo II por ocasião de sua visita, em 1998. No IDH 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Os primeiros setenta países são considerados os melhores em qualidade de vida. Cuba, onde nada se paga pelo direito universal à saúde e educação de qualidades, figura em 51º lugar.

O país apresenta uma taxa de alfabetização de 99,8%; conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 por cada 1.000 nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 800 mil diplomados em 67 universidades, nas quais ingressam, por ano, 606 mil estudantes.

Hoje, Cuba mantém médicos e professores atuando em mais de 100 países, incluído o Brasil, e promove, em toda a América Latina, a Operação Milagros, para curar gratuitamente enfermidades dos olhos, e a campanha de alfabetização Yo si puedo (Sim, eu sou capaz), com resultados que convenceram o presidente Lula a adotar o método no Brasil.

Haverá, sim, mudanças em Cuba quando cessar o bloqueio dos EUA; forem libertados os cinco cubanos presos injustamente na Flórida por lutarem contra o terrorismo; e se a base naval de Guantánamo, ora utilizada como cárcere clandestino - símbolo mundial do desrespeito aos direitos humanos e civis - de supostos terroristas for devolvida.

Não se espere, contudo, que Cuba arranque das portas de Havana dois cartazes que envergonham a nós, latino-americanos, que vivemos em ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados: “A cada ano, 80 mil crianças morrem vítimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana.” “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana.”


Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

Sobre o fim da CPMF

Acabei de pegar no site da Revista Caros Amigos. E olhe que o Roberto Manera não economiza nem o próprio Lula, mas os intitulados "partidos de oposição" não têm mesmo moral para cobrar algumas coisas. Até por que o mundo deve girar em torno do seu próprio umbido - seus interesses, como desde sempre - se não, não presta. Que cobrem, por exemplo, a investigação sobre o uso dos cartões corporativos, mas não amarelem nem seu discurso nem sua pretensa ética quando se trata de investigar o uso dos cartões corporativos do governo de São Paulo. Ou nos governos tucanos não se trata de dinheiro público? Bom, pelo histórico, eles tem certeza que o dinheiro e o patrimônio público só servem para serem transferidos ao capital privado, de preferência dentro das suas relações e aos seus financiadores...


Sobre o fim da CPMF
(de como o que dizem ser "política" fodeu o Brasil)

por Roberto Manera



Uns milhões de brasileiros e eu trabalhamos para que Lula fosse eleito presidente. Então, senhores congressistas, prestem atenção: o protocolo que vocês mesmos criaram proíbe que, nas ocasiões oficiais, o chamem de “Lula”, ou “Luiz Inácio” – vocês próprios não se tratam por “vossa excelência”?

Já eu e alguns milhões de pessoas que o elegeram podemos chamá-lo de Lula e, pior, de traidor. Nós não estamos na sua, excelências. Não defendemos situaçõezinhas pseudopolíticas, nem privilégios. Mas não queremos, de verdade, que nosso presidente faça vista grossa para o fato de que está sendo construída uma base norte-americana nesse pobre Paraguai, a uns metros de nosso quintal – nem que nosso representante máximo faça de conta que não entendeu a expressão “assassinato seletivo” – e só porque isso é contra as leis de qualquer deus; inclusive os de vocês. Fijaran-se ustedes en que inventaram essa expressão repulsiva para matar pessoas de quem Israel e os Estados Unidos desconfiam, na Palestina, no Afeganistão e nem sei mais em quantos países do mundo? E vocês ficam aí, nessa briguinha idiota, pra ver quien la tiene más grande? Aviso: não sei em quanto tempo, mas vão se dar mal. Seus netos não vão se orgulhar de seus discursos.

Quando Lula vai falar com Bush e o abraça, nós nos sentimos traídos. Porque “assassinato seletivo” não existe – é como boi voador, que não pode, e pronto, acabou-se. É assassinato.

Não queremos que o presidente defenda Chávez com frases como: “Não se pode dizer que não exista democracia na Venezuela”. Isso é tíbio – cuidadoso demais – e achamos que não há pessoa honesta que não compreenda o que o advento de Chávez, que foi eleito três vezes para um único mandato, representa para a Venezuela. Eu próprio a conheci quando era um miserável terreiro das petrolíferas americanas – e até hoje sinto náusea.

A maioria de nós não quer abrir as pernas para as facilidades que nos venderam com cinqüenta anos de filmes e livros e artigos e outras expelições de regra sobre essa bosta que vocês chamam de “democracia”. Que discrimina ricos e pobres como se cada um tivesse nascido para isso ou aquilo. Nós queremos viver em paz, com nossa música, nossos livros, nossos gibis, nossa ciência, nossos filósofos, nosso futebol, nosso samba, nossa salsa, a comida suficiente e algum cuidado com nossa saúde – mas não só para os escolhidos –, e sem os cartões de identidade que vocês e seus antecessores inventaram para nos vender como uma boiada a nossos maiores algozes – seus ocultos patrões, os bancos.

Não queremos viver nesse seu maravilhoso mundo globalizado como se isso fosse inevitável como a ciência dura que pretende reinventar vocês – e a nós. Pero nosotros, é outro aviso, sabemos que no pasarán.

Por isso, ordenamos a vocês que pressionem sua excelência o presidente, mas só para que ele se alinhe claramente com os sistemas mais desenvolvidos de nossa vizinhança. E façam isso respeitosamente, como cabe a meninos bem-educados.
Têm dúvida, seus babacas? Nós vamos ficar, pelo menos na história. Vocês vão passar – como conteúdo que se esvai pelos interceptores oceânicos de todo o Brasil e polui os mares – porque com todo o seu alegado “saber” vocês, parece, nunca compreenderam o que é ser cidadão deste país. Ou de qualquer outro.

Vão estudar. E não ousem traficar com o que um povo quer ser. Essa última frase é do Joan Manuel Serrat – “que no trafique el mercader con lo que un pueblo quiere ser”. Não é linda? Pois bem: só nós podemos usá-la, porque foi para gente como nós que Joan Manuel a compôs. Vocês, por enquanto, estão proibidos.

Isso tudo vem a propósito daquela palhaçada que a maioria de vocês fez ao revogar o imposto que o Fernando Henrique criou a pedido de um homem de bem – o doutor Adib Jatene – para dar um jeito no sistema brasileiro de saúde, e que ele próprio (FHC), com a sua (vossa) providencial ajuda, malversou a ponto de fazer o doutor Jatene dar às de vila-diogo. Viram o que conseguiram? Sentiram as marolas feitas na água até agora tão tranqüila da economia brasileira, com as braçadas dos eternos aproveitadores? As ameaças de aumento da inflação? Isso que vocês fizeram é política, porra? Não é por estar na sua (vossa) presença, meus prezados rapazes, mas vocês vão mal demais. Esta é do Chico. Não é linda?

Roberto Manera é jornalista.